quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A melhor das propagandas


Estava com a cabeça encostada na parede enquanto tentava me equilibrar para fazer o número um. Ao abrir o zíper, pensei: “Será que zíper tem marca?”. Noutro dia, quando já estava com outras calças, resolvi fazer o mesmo, dessa vez com mais segurança. Tomei um susto, era a mesma marca. Fui logo, então, pegar outra peça de roupa para averigüar e fiquei surpreso: “Nossa! Isso é um monopólio, um império! Será que todos os zíperes do mundo são YKK?”. Fiquei curioso, admito, passei uma noite pensando no monopólio, em como conseguira, o seu YKK, transformar-se no "rei dos zíperes". Ter um império maior que o bizantino, maior que o romano. O máximo poder dos fechecleres de calças, mochilas e afins. Porém na noite seguinte a Robertinha tomou o seu lugar novamente em meu cérebro de interesses efêmeros.

Depois de uma semana, fui visitar uma amiga minha, a Jorgete. Entrando por sua sala, sem querer, presenciei uma cena no mínimo interessante. Às vezes fico até espantado com as coincidências. Vi sua avó reclamando com sua voz rouca, porém melíflua e delicada: “Filhinha, tu sabes que não uso roupa com isso, mas brigado”. Fiquei pensando: “Isso o quê? Essa cor, bordado ou o quê?” Bom, enquanto, depois da situação toda, conversávamos na sala, fui obrigado a perguntar o porquê da sua avó não aceitar presente. A Jorgete respondeu:

- Por causa dos burakumins, não usa o zíper por causa deles...
- Buraco o que?
- Burakumins.
- Desculpa?
- BU-RA-KU-MINS, burakumins, rapaz, não entende as coisas?
- Haaam... E o que é isso ?
- Não faço idéia...

Após a ajuda inenarrável de Jorgete, resolvi procurar quem eram os tais buralgumacoisa que impediam a pobre velhinha de usufruir dos prazeres dos zíperes YKK. Acabei concluindo diversas coisas, dentre elas, que essa marca de mais de 200 empresas espalhadas pelo mundo possui também uma fábrica de arroz em Santa Catarina. Essa marca japonesa é a maior marca de zíperes do mundo e o dono dela é acusado de ser um Burakumin, talvez por isso da avó da Jorgete não querer usar seus produtos. Deve ser meio difícil relutar em usar tudo que é YKK. Todavia o mais surpreendente é o caso real e terrível de exclusão social ao qual a marca oriental está ligada. O que a avó de minha amiga deve ter ouvido era o forte boato japonês sobre os burakumins. Lhe contarei sobre eles.

Os burakumins, antes de tudo, são japoneses como quaisquer outros. No entanto, a única diferença é que são descendentes diretos de açougueiros, manuseadores de couro ou preparadores de defuntos, enfim, quem lida com carne... DA ÉPOCA DOS SAMURAIS! Todos sabem a facilidade que os japoneses possuem de continuar tradições antigas. Quanto aos burakumins não foi diferente. Numa cultura baseada em alimentação à base de peixe e legumes, os indivíduos manuseadores de carne eram vistos como impuros. Com a religião budista, essa história apenas aumentou. Depois de um tempo, não eram apenas impuros, mas inferiores, propagadores de poluição.

Hoje, isso ainda está presente na cultura japonesa. Mais de três milhões de japoneses lutam por sua “liberdade”, tentando apagar essa imagem, através de congressos e outras formas de expressão. Os burakumins foram obrigados a, desde aquela época, ficarem em guetos, cortarem o cabelo de um só jeito, vestir certa roupa, só para serem identificados. E para que? Para terem portas fechadas em suas caras. Portas fechadas para amizades, empregos, relacionamentos, etc... E, na maioria das vezes, quem dá o primeiro empurrão na porta não sabe nem o porquê disso, mas sabe que sempre foi assim...

Diversos japoneses tentavam, sem sucesso, mudar de cidade para livrar-se desse fantasma, mas sempre havia delatores, como em tudo que é lugar. Por isso, muitos deles foram para outros países como, por exemplo, o país do carnaval. Enfim, para notarmos a força dessa tradição a avó de minha amiga até hoje pensa dessa forma, não sei, nem perguntarei, se ela sabe de tudo isso. Mas o fato é que, novamente, notamos. Nada mais eficiente que um bom boca-a-boca.

escrito por Fabricio Lunardi

2 comentários:

Renata C. Moreira disse...

Booom, muito bom!
Os zipers YKK sempre tiveram meu questionamento... Será que se eu abrir uma fábrica concorrente, com zipers mais baratos, eu fico rica?

Aerith's Flowers disse...

http://www.sinproblu.org.br/noticias_item.asp?codigo=35